domingo, 26 de agosto de 2012

1991 - NEIDE CANDOLINA



"Neide é uma mistura de duas pessoas pretas da Bahia. Uma é Neide, minha amiga, que hoje em dia tem um restaurante no Rio de Janeiro chamado Iorubá. Eu a conheci quando ela tinha dezoito anos. Quem me apresentou foi um amigo, Antonio Risério, que é poeta e ensaísta. Ele disse: 'você tem que conhecer a Neide e o pessoal dela, é uma gente maravilhosa, vamos ao Zanzibar! Eu disse a ela que a gente ía descer lá hoje'. Então, descemos onde ela morava, embaixo do restaurante que pertencia à família dela. E, quando chegamos, ela estava nua em pêlo! Linda! Perfeitamente linda! Estava ouvindo um disco do Djavan. Ela me falou: 'Você gosta do Djavan? Você quer um pouquinho de coca-cola?'. Assim, totalmente social. Conversava, cruzava as pernas, pegava as coisas, mostrava revistas, comentava, mudava a faixa do disco, nua, elegantíssima, social, sem qualquer escândalo. Ela tinha ficado nua em casa porque estava calor em Salvador, e não tinha certeza se Risério ia mesmo lá naquele dia. Mas também não quis se vestir quando chegamos, não se assustou. A outra pessoa que entrou na composição de Neide Candolina foi minha professora de português, a mais importante de todas, Dona Candolina. Então eu misturei o nome das duas e criei uma personagem negra, baiana, moderna. O mais interessante é que aparece a palavra 'brown' aqui, que é uma palavra que, na Bahia, era usada de modo pejorativo. Nos anos 70, 80, dizia-se: 'está muito brown isso aqui; a praia está muito brown', porque tinha muito preto, era muito baixo nível, uma coisa cafona e pobre. Os pretos se chamavam de 'brown' por causa de James Brown. Por isso Carlinhos Brown é Carlinhos Brown, Mano Brown é Mano Brown; tudo vem de James Brown.Ee como os pretos se chamava de 'brown' uns aos outros, a gíria pegou e a classe média 'branca' começou a usar a palavra 'brown' como quem diz 'cafona' na Itália".

[Caetano Veloso, Sobre as letras. páginas 50/52.] *


La profesora D. Candolina Rosa de Carvalho Cerqueira (sentada-centro)

Música y letra: Caetano Veloso
© 1991 Warner Chappell

Preta chique, essa preta é bem linda
Essa preta é muito fina
Essa preta é toda glória do brau
Preta preta, essa preta é correta
Essa preta é mesmo preta
É democrata social racial
Ela é modal

Tem um Gol que ela mesma comprou
Com o dinheiro que juntou
Ensinando português no Central
Salvador, isso é só Salvador
Sua suja Salvador
E ela nunca furou um sinal
Isso é legal

E eu e eu e eu sem ela
Nobreza brau, nobreza brau

Preta sã, ela é filha de Iansã
Ela é muito cidadã
Ela tem trabalho e tem carnaval
Elegante, ela é muito elegante
Ela é superelegante
Roupa Europa e pixaim Senegal
Transcendental
Liberdade, bairro da Liberdade
Palavra da liberdade
Ela é Neide Candolina total
E a cidade, a ba¡a da cidade

A porcaria da cidade
Tem que reverter o quadro atual
Pra lhe ser igual

E eu e eu e eu sem ela
Nobreza brau, nobreza brau



 
1991 - CAETANO VELOSO
6439 8463
Álbum "Circuladô"
Philips LP 510 639-1, B-2.
CD 510 639-2, Track 8.





2017 – LUCIANA OLIVEIRA
Participação Especial: XÊNIA FRANÇA e FIÓTI
Álbum “Deusa do Rio Níger”
Ponto4 Digital, CD, Track 3.





Bibliografía

* FERRAZ, Eucanaã. Organização e notas. Caetano Veloso – Sobre as letras. Vol. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 80 pág.



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