viernes, 30 de octubre de 2015

2005 - CAETANO VELOSO NU

Na Trip 136, que já está nas bancas, Caetano responde críticas de Hermeto Pascoal, Paula Lavigne mostra porque é uma mulher [e empresária] especial e você ainda conhece o estranho relacionamento do cantor baiano com a culinária japonesa





2005
Revista TRIP
n° 136


CAETANO
VELOSO NU


* Fernando Andrade, 24, é diretor da produtora Digital 21. Atualmente ele está em fase de edição e captação de recursos para Caetano nu Mundo, longa-metragem documental que mostra sua versão pessoal de Caetano Veloso visto de perto. Bem de perto










Ensaio sensual
A história começou assim: havia um projeto para fazer o DVD do show do Caetano. “Sexta-feira tem o último show no Baretto; vai lá filmar para o extra do DVD”, disse a Paula Lavigne. Quinhentos reais a cabeça com renda beneficente. Ali estavam sentados os donos do Brasil [se não eram todos os donos, eram sócios ou filhos deles]. Eram duas câmeras – o que é muito pouco para filmar um show – e somente um par de apresentações. Começamos bem, mas logo no início do segundo show uma câmera pega fogo e a nossa única luz se queima, perturbando a platéia, que achava que algo havia se queimado na cozinha do Fasano. E lá se foi uma das duas câmeras de alta definição com lentes Panavision, o “creme” em termos de digital para cinema. Desolado, contei o desastre para Hector Babenco, que estava no show. Ele sentenciou: “Welcome to the club!”.





Intimidade: Caetano escolhendo as meias no camarim, e em momento Colgate no banheiro do seu apartamento, em NY




Logo aprendi a primeira lição: uma outra camerazinha digital, mais simples e que ninguém queria operar, acabou registrando os melhores momentos. “É só um showzinho, um boquete show!” – anunciou o Caetano para essa câmera enquanto se vestia [referência a pocket show]. Mais inesperado ainda foi o encontro surpresa da câmera com Caetano pelado, se barbeando na frente do espelho do banheiro no hotel do mesmo Fasano. Pior, a câmera filmou a Paula Lavigne dizendo: “Olha só como é bonito, filma ele”.
A surpresa maior, contudo, veio a seguir, quando editei esse trecho no meu notebook e excluí os instantes que mostravam Caetano inteiramente nu – uma estratégia, pensei, para conseguir autorização de uso do material. “Como assim?! Você cortou a melhor parte! Cadê o resto?” – disse a Paula.
Isso foi só o começo...



De olho no inesperado
Percebi então um grande gesto de confiança por parte da Paula e de Caetano no sentido de permitir que a câmera chegasse muito perto da vida deles. E chegou. Mas esqueça os reality shows. Afinal, em frente da câmera, estava Caetano Veloso, um dos artistas mais corajosos e criativos do Brasil. Para mim, um mito. “Eu não gosto de mitificação”, diria ele mais tarde em Kyoto para a câmera, quando filmávamos no bairro das gueixas. E foi mais ou menos assim durante todas as filmagens: aprender a treinar o olho para o inesperado. O esperado, esse sim, quase sempre me deixou na mão.
É claro que esse aprendizado não foi sempre tão imediato. Demorou um pouco, mas o primeiro alerta veio do próprio editor desta revista, que pretendia ser advogado e [acho] nunca imaginou editar uma revista tão especial como a Trip . Paulo Lima foi uma das várias pessoas de quem enchi o saco ao longo da minha adolescência em busca de respostas. Queria saber o que eu iria ser da minha vida: jornalista, político ou até empresário... Estava tão deprimido com a dúvida que a única coisa que me consolava era ir ao cinema. Só no escuro conseguia pensar com calma e me tranqüilizar. Foi assim, meio acidentalmente, que percebi o que queria fazer da minha vida.
 


 Fragmentos de um jovem cineasta:

O show no Baretto, em SP, onde a câmera queimou

The man in the red elevator

A piada da qual ninguém riu





Distraídos venceremos
Certo de ter encontrado a fórmula do sucesso após os incidentes em São Paulo, segui para Nova York para filmar o show do Caetano no Carnegie Hall, casa de espetáculos mais prestigiada dos EUA. Dessa vez, com uma câmera apenas. Dessa vez, estava “preparado”, pensei. E o pior, claro, aconteceu...
Como não tínhamos nenhum patrocínio até então [situação que não mudou até o momento em que escrevo este texto], não houve dinheiro para pagar a taxa do sindicato dos trabalhadores do teatro, que queria algo como 10 mil dólares para cada três minutos filmados. Tudo estava perdido... Cheguei até lá para não poder filmar o show. Belo planejamento. Contudo, mais uma vez o inesperado revelou-se surpreendente.
Por não poder filmar o show, comecei a filmar minhas conversas com o Caetano andando displicentemente por Nova York. Sem preparação prévia, sem pauta, apenas filmei o que sempre tive vontade de perguntar a ele. Eu, na época com 23 anos, ele com 62. Por mais que tenha tentado, sei que não consegui me libertar da ingenuidade de 23 primaveras. Ao mesmo tempo, Caetano aos 62 me mostrava sua juventude ao dividir comigo [e com a câmera] uma visão de mundo sempre equilibrada e sem preconceitos. Dessa química e desse “erro” de estratégia nascia o filme Caetano nu Mundo. O título foi idéia do jornalista Sérgio Dávila, que eu havia conhecido anos atrás em Nova York quando estudava cinema. Pensava em sugerir já no título não a nudez física do Caetano, mas, sim, a nudez do mito. Ou, no meu caso, a pessoa por trás do ídolo.




Almoço com a estrela, no apartamento do casal, em NY

                                 O abraço de Gisele, que derrubou a boca de Caetano

Baianada
Sempre imaginei o Caetano como alguém sério, intelectual e reservado. Que nada, descobri que ele adora falar bobagem e, o mais bacana, fala de igual para igual com qualquer um – inclusive comigo. A certeza da existência definitiva do filme veio dessas conversas informais, numa caminhada no East Village, quando Caetano falou: “Eu saí de Santo Amaro com 18 anos de idade. Não sou uma pessoa de São Paulo, que já nasce achando que está no mundo”. O filme tinha começado.
Eu sou de São Paulo, e quem é de São Paulo sabe que o termo “baiano” pode ter conotações pejorativas. “Baianada”, então, pode significar ou algo que deu errado ou algo cafona. Isso sempre me perturbou, mas me pareceu mais absurdo diante do que estava presenciando: olha o baiano aí na casa de espetáculos mais importante de Nova York, cidade que a elite paulistana ama e sonha como referência. Dessa indignação, de que muitos em São Paulo se consideram melhores do que o resto do Brasil – especialmente do que seu Norte –, veio o combustível emocional para fazer o filme. Vontade de mostrar o que o baiano pode fazer e fez, ao longo da sua carreira.
E pensar que São Paulo se considera cosmopolita...




Resenha do New York Times sobre o show do baiano: 
conexão Santo Amaro – Carnegie Hall


 

Mundo [e câmera] nas costas
No filme, procurei também mostrar que o baiano é admirado por onde passa, da América Latina aos EUA, da Europa ao Japão. Pedro Almodóvar, amigo do Caetano, entrevistado no filme em Madri, declara: “Caetano é uma pessoa sem preconceitos”. Quando perguntei se ele achava que o Brasil era visto de forma estereotipada na Europa, algo como indígenas e Carmen Miranda, o autor do cinema mais contundente da Espanha disse que sim, mas assegurou que o Caetano era visto de outra forma. Uma forma que, acredito, seja mais verdadeira do Brasil e muito mais respeitosa.
Se essa minha motivação foi pretensiosa, eu não sei. Se meu olhar vai parecer ingênuo, pouco me importa. Registrei momentos que testemunhei ao lado do Caetano. Um dos lados da verdade. Por falar em verdade, o mais curioso disso foi o quão aterrorizador foi carregar esta responsabilidade nas costas. Sem patrocínio não há equipe. Sem equipe, sobramos apenas eu e minha câmera, que carregava literalmente nas costas. Então tentei levá-la onde nenhuma equipe poderia chegar. E o resultado – além de dores terríveis na coluna – foi... bom, isso não sou eu quem poderá dizer. Peço aos leitores da Trip que julguem isso quando o filme for lançado...
 
“Caetano é uma pessoa sem preconceitos”, disse Almodóvar para a câmera de Fernando.



Mestre & gafanhoto
O último capítulo aconteceu quando embarquei para o Japão com Caetano. Lá ele lotou teatros imensos em cidades como Fukuoka, Nagoya, Osaka, Kyoto e Tóquio. Dessa vez, sabendo um pouco mais sobre o filme que eu queria fazer, fui “preparado”: além da câmera digital, levei um calhamaço de perguntas.
Paula Lavigne não foi ao Japão com a gente, mas ligava para o Caetano e perguntava se o pirralho estava enchendo muito. E ele dizia: “Um pouco”. Pois é, o lado chato dessa história foi encher o saco o tempo inteiro com a câmera. Um amigo israelense do Caetano, que estava na viagem, chamava a câmera de “torture tool”. Pior foi quando o próprio Caetano começou a me chamar de “Little Boy”... Só descobri o porquê mais tarde: era o nome da bomba que caiu sobre Hiroshima. Não achei muita graça, mas ele insistiu que era “apenas uma brincadeira carinhosa”.
Ao longo dos 18 meses de convivência, o conflito jovem- paulista-obcecado -pelo -trabalho versus mestre -baiano -da -MPB -que -acorda -às -16h só fez crescer. Chegou ao ponto que Caetano, ao refletir sobre as conseqüências da maturidade numa cena que rodamos numa floresta de bambu em Kyoto, acabou me mandando um recado via câmera: “Quando a gente fica mais velho aprende que dá tempo, entendeu? Quando você é novo parece que não vai dar tempo de a gente fazer o que quer... Mais velho você já sabe como é o tempo”. A indireta acabou virando direta quando, mais tarde, ele enfatizou que o recado era para mim e não para o filme ou para a câmera – isso enquanto eu o apressava para não perdermos o trem de volta para Tóquio. 








Um Japão nada normal, com o Pikachu aéreo, a manga de “ouro” e o monge que veio do nada e disse gostar muito de “Corazón Vagabondo”. Abaixo o baiano do outro lado do mundo


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