martes, 22 de agosto de 2017

1977 - A OUTRA BANDA DA TERRA


“Não se sabe ainda ao certo se A Outra Banda Da Terra
existe. O que há, entretanto, pintou por causa de Vinícius
e Arnaldo terem incrementado o hábito de fazer som
comigo, em casa, sem arranjos nem planos definidos. Hábito
a que aderiu Rubão. Isso me fez muito bem e me honra
muito. Quisemos tocar em público. Convidamos Tomás.
E Marcos. E Serginho deu uma supercanja que multiplicou
por mil o brilho do nosso show. Para o disco, convidamos
Bira e Bolão “Muito Romântico” é a única
faixa-satélite-artificial [por culpa minha] de brilho propio
[por culpa da competência e inspiração de Perna]”

[Caetano Veloso, texto na contra-capa do álbum Muito - Dentro da Estrela Azulada, 1978]





A OUTRA BANDA DA TERRA


Tomás Improta
Arnaldo Brandão
Vinicius Cantuária
Marcos Amma
Bira da Silva
Bolão




"... Em dezembro de 1977, o mistério poderia ser esclarecido mais facilmente do que se imaginava. Bastaria comprar ingresso e correr para o show de Caetano Veloso, no Teatro Clara Nunes, Shopping da Gávea, zona sul carioca..."

" ... Embora a imprensa não tivesse oficializado ainda, no show do Teatro Clara Nunes o grupo finalmente foi apresentado da forma que ficaria conhecido na história: A Outra Banda da Terra...

[CAETANO - uma biografia, Pág. 296]

























Reprodução

Ricky Goodwin, Júlio Barroso, José Emílio Rondeau, Ana Maria Bahiana, Waldemar Falcão, Dieter Stein, Antonio Carlos Miguel, Paulo Ricardo, Maurício Valladares e Beto Carvalho



Acervo pessoal Antonio Carlos Miguel
































Janeiro de 1978
Jornal de Música



Foto: Paulo Ricardo




Caetano num show integral e natural

Antônio Carlos Miguel


Eu tinha gostado do Bicho Baile Show, de Caetano com a Banda Black Rio, mas este show atual é bem superior. Tem mais a ver com toda transação caetânica. Se em Bicho a atmosfera parecia um pouco forçada, apesar do repertório e dos ótimos músicos da Banda - o melhor grupo instrumental de 1977 - neste novo show Caetano está bem natural, com todo pique e toda suavidade peculiar.

Bicho foi em parte um trabalho conceitual que demonstrava a vontade de Caetano em fazer uma música mais próxima à dança e origens afro-brasileiras. Talvez por isso mesmo o destaque maior foi para a Banda. Havia por parte de Caetano interesse em dar força à música instrumental. Para todas essas ideias se completarem integralmente faltou um melhor entrosamento entre os dois trabalhos. A música de Caetano soava um pouco estranha, não se adaptando aos arranjos 'Black Rios'.


Este é um problema que não existe neste novo show, a impressão é de que estamos em casa. Tecnologia integral e natural. Mesmo voltando ao esquema 'banquinho-violão' temos um espetáculo solto e descontraído. Caetano está tranquilo, conversando bastante com o público, transmitindo toda sua segurança frágil. O show utiliza poucos recursos, nenhum cenário e uma iluminação discreta. Os músicos que o acompanham se integram neste clima todo. Alguns deles têm um contato bastante intenso com Caetano, Arnaldo Brandão (baixo e violão de 7 cordas) e Vinícius Cantuária (bateria e guitarra acústica) participaram do disco Bicho e tocam em 'jam sessions' caseiras; este também é o caso de Tomás Improta (piano acústico e elétrico). Na percussão está Marcos Amma. Nesta apresentação no Teatro Clara Nunes - este show já tinha sido apresentado no Teatro do Instituto de Educação (*) e na Concha Verde (**) - há ainda a participação superespecial de Sérgio Dias Baptista (guitarrista dos Mutantes).

O show começa com uma série de músicas acústicas, 'Leãozinho' é a primeira, na segunda música são apresentados os músicos e entra em cena dando 'uma supercanja', Sérgio. Enquanto Caetano canta Sérgio preenche todos os espaços e voa alto com seus solos mutantes. São apresentadas algumas composições novas, inclusive 'Sampa', o samba que Caetano fez para São Paulo... 'o samba é hoje em dia uma música típica de São Paulo'. Em seguida vem 'Rio'. Estas duas músicas já bastam para mostrar que ele continua sendo o mais instigante poeta/letrista na música brasileira. Algo como a loucura da lucidez. Antes do intervalo uma homenagem a Dylan, todos cantando 'Don't think twice, it's all right'.

Na segunda parte, só ao violão, Caetano interpreta alguns 'standards' da MPB: 'Quem Vem da Beira do Mar' (Dorival Caymmi), 'Eu Sei Que Vou Te Amar' (Tom Jobim/Vinícius de Moraes) e 'De Você Eu Gosto' (Tom Jobim/Aloysio de Oliveira).

No final, com o grupo novamente, são apresentados, entre outras, 'Tigresa', 'Um Índio' e a incrível 'Muito Romântico' - gravada por Roberto Carlos em seu último disco. A interpretação de Caetano tem muita garra, superando a gravação de Roberto. Sérgio contribui com um lindo solo, que desta vez o obriga a se levantar da cadeira - até então ele tinha tocado sentado, com um painel de pedais.

O trabalho do grupo está perfeito. Arnaldo segura no baixo, Vinícius, além da bateria, dando uma boa ajuda nos 'backing vocals' e na guitarra acústica. Outro destaque para o trabalho de Tomás Improta no piano, com solos saborosos em contraponto ao canto de Caetano - por exemplo a música 'Love, Love, Love' - e a guitarra de Sérgio.

Fechando o show, não podia faltar, 'Odara'



(*) Teatro do Instituto de Educação


























(**) Projeto “Quem Sabe, Sobe” na Concha Verde do Morro da Urca do Pão de Açúcar, com dezenas de atrações nacionais e internacionais produzido por David Tygel.






























Terra Magazine

23/05/2013

Caetano – entre Muito e a Banda Cê

PAQUITO (*)

Tinha eu quatorze anos quando, levado por minha madrinha, assisti Caetano Veloso – e A Outra Banda da Terra – ao vivo pela primeira vez. O show era Muito, disco de 1978 que rendeu polêmica por conta das críticas negativas, a que o próprio Caetano respondia, o que lhe rendeu acusações de não aceitar opiniões contrárias, atitude que ele mesmo comentou na sua última coluna em O Globo.

Na época, apenas o fato de ir a um show era novo pra mim. Só estar em um teatro, tendo a experiência de ouvir ao vivo os sons que ouvira em discos – de certa forma, minimizados – era um acontecimento:"o som", sem intermediação da radiola ou tv. Como ainda não tinha o disco Muito, não conhecia nenhuma das novas canções – e nem muito também da obra anterior de Caetano – mas me lembro até hoje do impacto da música Terra, cujo refrão o público repetia, o que criava um clima ritualístico forte, sem que o cantor precisasse puxar o coro. Era uma prece conjunta.

No final do show, os percussionistas que estavam na plateia foram convidados a subir no palco, pra tocar na última música. Da prece passou-se à festa, e deu vontade de subir naquele palco, estar com aqueles músicos, ser como aquelas pessoas confraternizando-se. Eu não tinha consciência, mas o fenômeno da canção popular estava se dando na minha frente, com desdobramentos até hoje na minha vida, tanto que me tornei compositor, e escrevo basicamente sobre música aqui na Terra Magazine.

Outra lembrança forte é a da postura despojada de Caetano no palco, assim como o figurino, apenas camiseta branca sem mangas, bermuda e sapatos igualmente brancos, corpo magro, e os cabelos longos, cacheados e negros.

O figurino simples se contrapunha às roupas coloridas que se haviam popularizado com o Tropicalismo, que completara dez anos, e pelo qual eu começava a me interessar. Com seu violão Ovation, bojudo, contrastando com a magreza, Caetano levantava o joelho direito e permanecia algum tempo em posição de garça, um pé no chão, outro suspenso no ar.

A partir de então, assisti a quase todos os shows de Caetano, gostava de reparar na harmonia das músicas, e muitas delas aprendi a tocar apenas observando-o em apresentações. Com toda sofisticação que há no pensamento e no som de Caetano, a execução de suas músicas é relativamente simples no violão, o que tornava possível a um amador tocá-las exatamente como ele, o que era ótimo. Eu podia repetir em casa o que via no palco.

Assistindo ao Abraçaço, seu show mais recente, tantos anos depois, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, sei que é comum se associar Caetano a um ser mutante, que tanto pode aparecer num especial de Natal da Globo – com Ivete e Gil – quanto fazer um show e disco como esse com a banda Cê, que concorre ao Prêmio da Música Brasileira de Melhor Cantor na categoria de música pop/rock/reggae/hip hop, e não mpb, como seria mais convencional.

Caetano sempre fez o trânsito entre categorias aparentemente distintas, mas é um artista ancorado na tradição, mesmo que seja para reinventá-la, comentando-a.

O Funk melódico do Abraçaço é um exemplo: versos de Noel Rosa e Vinicius de Moraes são citados, dialogando com a rusticidade da música carioca dos subúrbios. (E, pensando bem, Noel é tão rústico quanto os funkeiros quando se trata de detonar uma mulher.)

Cláudio Leal escreveu um artigo legal sobre o Abraçaço aqui na Terra Magazine (Aquele abraçaço), então vou comentar – além das minhas memórias remotas – a respeito da banda Cê, que está com Caetano há três Cds: , Zii e Zie e este Abraçaço. Após um período em que pretendeu unir a percussão baiana à sofisticação do jazz, projeto do CC Livro, Caetano montou uma banda simples, com apenas três músicos jovens (Pedro Sá na guitarra, Marcelo Calado na bateria e Ricardo Dias Gomes no baixo e teclados), e compôs canções endereçadas ao formato e linguagem de um tipo de rock mais enxuto.

O artista e o conjunto integraram-se de tal maneira que a banda Cê é constitutiva desse novo Caetano, contribuindo pra tornar o Abraçaço mais forte e denso. A banda também dá conta, na medida, de tocar o Caetano pré-Cê, mantendo a diversidade rítmica e melódica do compositor, sem afetações, talvez porque não ambicionem ser virtuoses, não são músicos "músicos", como bem definiu Pedro Sá, numa conversa que tivemos depois do show. Eles estão ali pra servir às canções, e não se servir delas.

Eclipse Oculto -do disco final com a Outra Banda da Terra, Uns, de 1983, -mereceu seu arranjo e jeito de execução mais bacana, sem ambicionar ser pop, e mantendo a urgência do rock. Triste Bahia, do Transa, tem o clima e arranjo bem semelhantes ao do disco de 1972, cujo despojamento combina com o da Banda Cê, que tocou, no show , Nine out of ten, também do Transa, sem querer reinventá-la, o oposto ao arranjo pra mesma canção do disco Velô (1984), que hoje soa datado.

O Velô pertence aos anos oitenta e, naquele período, o tratamento dado às gravações tornava a música postiça, quando se pretendia soar tecnicamente avançado. Curiosamente, o Transa, bem anterior, soa mais moderno que o Velô, mesmo sendo este repleto de ótimas canções.

Assim como muita coisa muda, outras permanecem: comparando com o show Muito, os cabelos de Caetano ficaram brancos – sinal da passagem do tempo, o que independe de intenções estéticas – e o figurino, antes claro, se tornou escuro. Mas a posição de garça – e graça – mantém-se até hoje, simbolizando involuntariamente essa capacidade do artista de equacionar tradição e ruptura: um pé firme no chão, outro no ar.




(*) De 2006 a 2014, Paquito foi colunista da revista virtual Terra Magazine de Bob Fernandes.




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