martes, 3 de octubre de 2017

2016 - SEM FESTA



por Caetano Veloso
15/05/2016

RIO — Parece que há quem queira festejar. Eu, neste primeiro momento do governo Michel Temer, só tenho mesmo é uma grande queixa a fazer: a extinção do MinC é ato retrógrado. Depois de já haver, oportunisticamente, desistido de diminuir o número de ministérios, Temer, premido pela má repercussão da notícia, voltou a fazer o que a maioria dos brasileiros, acertadamente, quer: enxugar a máquina administrativa, na crença de que, assim, faz economia e livra-se do toma-lá-dá-cá. Na verdade, o peso econômico é pífio e as escolhas dos novos ministros não apontam para um critério técnico e meritocrático. Seria uma beleza se um presidente peemedebista nos livrasse do vício da distribuição “política” de cargos. Mas nossa oficialidade não vive de belezas. No entanto, reduzir o número de ministérios é bom de qualquer jeito. É bom simbolicamente, formalmente. Mas o desfazimento do MinC é negativo. Só Collor o tinha tentado antes, com tétricos resultados.


O Ministério da Cultura mostrou-se necessário ao Brasil. Hoje temos estudos e projetos brasileiros como referência em organizações internacionais que tratam dos problemas dos direitos autorais em ambiente digital. Somos (ou tínhamos sido) pioneiros na luta em defesa dos criadores, que se viram sem saber o quê, como, quanto e quando receberão pela divulgação de sua obra em plataformas de streaming. A Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) do MinC vinha se tornando um “think tank” especializado nesses assuntos. Sem falar na situação do audiovisual, que se tornou uma atividade superavitária; nos Pontos de Cultura, que buscam acompanhar e proteger centros de criação artística em todo o território nacional; na atenção ao patrimônio histórico. Sem altas verbas (muito ao contrário), o MinC tem mostrado que o país passou a dar à produção cultural o valor que ela merece. Sei que os maluquinhos habituais vão repetir que os artistas famosos brasileiros vivem do dinheiro do Estado, que querem mais, que são dependentes do governo. Repetirão todas as bobagens que têm dito sobre a Lei Rouanet e demonstrarão todo o ressentimento pelo que filmes, peças, canções, escritos, desenhos, edifícios, estátuas, performances, instalações, criações artísticas em geral representam quando atingem multidões ou íntimas sensibilidades. Não. Eu digo NÃO. Os artistas que se sentem atraídos pelo histórico do PT, o mais duradouro e estruturado partido de esquerda do mundo contemporâneo, não são dependentes de governo. Eu não sou dependente de governo. Tenho minhas opiniões próprias e exibo as contradições de minhas buscas. Só retirarei a afirmação de que baixar o MinC a uma secretaria dentro do Ministério da Educação (que tem tarefa gigante pela frente) ou a uma Secretaria Nacional de Cultura ligada à Presidência da República, como se cogita agora, é retroagir se, uma vez em ação, o novo governo prove que é capaz de dar à produção cultural a atenção que ela requer. Se os trabalhos da DDI tiverem continuidade, se os ajustes que se mostrem necessários no uso da Lei Rouanet servirem para que ela seja mais eficaz no estímulo à inventividade, se outras áreas da criação forem levadas à condição de superavitárias, se o Estado exibir que sabe o quanto o apoio à cultura pode resultar em crescimento econômico, direto e indireto, local ou como estímulo ao turismo internacional. Sem isso, não quero nem saber de festa.


Artigo de Caetano ecoa entre a classe artística
Profissionais da cultura apoiam texto do músico publicado no GLOBO

por Aline Macedo e Paula Lacerda

16/05/2016

RIO - O artigo de Caetano Veloso publicado neste domingo na capa do Segundo Caderno, em que o cantor e compositor dizia que a extinção do Ministério da Cultura pelo governo do presidente interino Michel Temer é “um ato retrógrado”, encontrou eco junto à comunidade artística. 

A autora e diretora Karen Acioly apoia as críticas do cantor:
— O Caetano sempre esteve no lugar de visionário, mostrando para onde podemos apontar. Muitas vezes ele percebeu o momento antes de nós. O artigo dele é lúcido, sóbrio, completamente nítido, não tem nada obscuro. Em tempos sombrios como esses, precisamos olhar para a luz.

O dramaturgo, ator e diretor Domingos Oliveira é enfático:
— Não discordo de nenhum ponto do artigo. De Caetano não se duvida. Acho apenas suave demais. Diminuir o status político da cultura, antes de tudo é um desaforo, uma falta de educação. Com quem eles pensam que estão falando?

Para o presidente da combativa Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Eduardo Barata, Caetano “está corretíssimo”:
— Eu até ampliaria as questões que ele colocou. Cortar o terceiro orçamento mais baixo da União... Que economia é essa? Acabar com o MinC é um retrocesso monstruoso. Parece mais uma retaliação ideológica e política — observa ele, que também comentou o “toma lá dá cá” citado pelo cantor na formação do ministério. — Não há um notável, são todos parlamentares. Os que apoiaram o impeachment estão sendo premiados com ministérios e outros cargos.

Para outro militante do teatro, o ator e produtor Tárik Puggina, o que chamou a atenção no artigo é o fato “de que Caetano reconhece esse governo”.
— E eu e boa parte da classe artística o repudiamos, não acreditamos que ele (o governo Temer) seja legítimo — diz Puggina. — Como o Caetano, estou totalmente descrente.

Mesmo não concordando com alguns pontos do artigo, o cantor e compositor Pedro Luís considera importante que artistas de peso saiam em defesa do Ministério da Cultura.
— O MinC estava muito perto de conseguir conquistas que são referência no mundo, como a questão dos direitos autorais — diz ele, referindo-se a um dos temas comentados no artigo. — Para mim, este é um momento de observação; vejo uma instabilidade no padrão democrático que acreditávamos ter conquistado.

Produtora de cinema e uma das idealizadoras do Festival do Rio, Walkíria Barbosa não vê a vinculação da pasta da Cultura ao Ministério da Educação como uma “desonra”. Para ela, a questão está na condução de políticas públicas de qualidade por quem quer que venha a assumir a secretaria.





Caetano Veloso fez uma apresentação histórica na noite desta sexta-feira (20/5) para protestar contra o fim do Ministério da Cultura.

Foto: Diego Baravelli  / Folhapress

EL PAÍS
23/5/2016
Caetano Veloso abraça o movimento anti-Temer
Cantor se apresenta para multidão que protesta contra extinção do Ministério da Cultura

María Martín

Rio de Janeiro

Armado com um violão e um cocar de penas brancas, Caetano Veloso aderiu na noite da sexta-feira ao movimento liderado por artistas que protestam contra a extinção do Ministério da Cultura (MinC) e a chegada ao poder de Michel Temer. O cantor baiano cantou para uma multidão reunida sob os pilotes do Palácio Gustavo Capanema no centro do Rio, antiga sede do ministério e hoje ocupado por coletivos artísticos “a favor da democracia” e da “proteção da cultura”. O movimento dos artistas é hoje o principal e mais visível foco de resistência pública contra o novo Governo Temer, iniciado no país após a aprovação do impeachment de Dilma Rousseff.

"O MinC é uma conquista do Estado brasileiro, não é de nenhum governo", disse Caetano em uma das poucas falas da noite, na qual esteve acompanhado por Erasmo Carlos e Seu Jorge. À diferença dos colegas, Caetano não discursou, não entoou falas políticas, mas as músicas que ele escolheu para um show gratuito que, previsto para durar 30 minutos, se estendeu por mais de uma hora, mexeram com o fantasma da ditadura militar. O resto, o público fez. Alegria, Alegria, Tropicália ou Terra levantaram os presentes, que acompanharam as canções com gritos de ordem contra o atual Governo interino.

Em Odeio, a multidão adicionou um “Temer” após cada "odeio você". Essa mesma música, cantada junto a Gilberto Gil em um show no Rio em dezembro, já havia sido adaptada pelos fãs, que, na ocasião, incluíram o nome do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, que autorizou o início do processo de impeachment. Na vez de A luz de Tieta os presentes conseguiram se sobrepor à voz do baiano e cantaram, sob sua aprovação: “Eta, Eta, Eta, Eta /Eduardo Cunha quer controlar minha buceta”, uma crítica ao conservadorismo evangélico de Cunha.

Entre o público, um ator que participa da ocupação do antigo MinC, iniciativa que se repetiu em prédios da pasta em quase duas dezenas de cidades, advertia que sua batalha não ia terminar com uma potencial ressurreição do Ministério da Cultura. “A essência de este protesto é a luta contra o Governo golpista. Ele pode devolver o Ministério, mas só vamos desocupar quando Temer cair”, dizia Pedro Uchoa, de 30 anos.

O ato serviu de palanque para políticos que hoje encarnam a mais férrea oposição ao Governo Temer. O próprio Caetano passou a palavra para o deputado estadual Marcelo Freixo, do Psol, pré-candidato à Prefeitura do Rio. 

Saudado pelo público aos gritos de “prefeito”, Freixo disse: "Isso [a ocupação do Capanema] tem que acontecer em todas as ruas, em todas as praças, porque a democracia custou muito caro pra gente". Na mesma linha discursou o deputado federal Jean Willys, também do Psol e contrário ao impeachment: "Não é só a defesa da cultura, é a defesa da democracia".

Caetano já participou de outros shows que acabaram sendo contagiados pelo clima político do Brasil. Em 18 de março, o baiano acompanhou Elza Soares durante um show, no mesmo dia em que uma grande manifestação contra o impeachment de Dilma Rousseff concentrou-se no centro do Rio. Durante a apresentação, muitos dos presentes, vestidos de vermelho, cantaram em coro junto a Elza Soares “não vai ter golpe”. Enquanto a carioca pediu para os fãs lutarem pela democracia, Caetano, em silêncio, sorriu.






18/3/2016 - Elza Soares, show "A Mulher do Fim do Mundo",
Circo Voador

A sutileza do cantor, no entanto, revoltou colegas do mundo artístico nas redes sociais que cobraram dele um posicionamento contra o "Governo ilegítimo". 

Embora não seja a escolha de Caetano, suas manifestações públicas não deixaram de revelar o que o baiano, ícone contra a ditadura militar, pensa do momento atual. "A manifestação de domingo, para mim, não foi suficientemente diferente da passeata da Família com Deus [pela Liberdade], que apoiou o golpe de 64″, disse ele em março, ao ser questionado sobre uma das grandes manifestações anti-Dilma que tomou várias cidades brasileiras na ocasião.

O clima contestador do show, ao ar livre e no meio de andaimes e tapumes de obra, espalhou-se nos arredores do Palácio, hoje sede da Funarte, uma instituição vinculada à pasta da Cultura. Nos restaurantes lotados da Cinelândia, no coração do Rio, os comensais de dezenas de mesas largaram várias vezes os talheres para entoar o mesmo canto espontaneamente: "Fora Temer!".



De cocar, Caetano Veloso se apresentou na ocupação do Palácio Capanema, no Rio - Daniel Marenco / O Globo






Foto: Daniel Silveira / G1




Foto:  Katiana Tortorelli - Mídia NINJA




Seu Jorge canta com Caetano - Foto: Daniel Silveira/G1

Marcelo Freixo (deputado estadual Psol)




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