sábado, 17 de febrero de 2018

1978 - "O ESSENCIAL É PRODUZIR"


FOLHA DE S.PAULO

Ilustrada

Quinta-feira, 6 de abril de 1978

Caetano: o essencial é produzir


Paulo Francis/Nova York


5/4/1978 - Caetano Veloso e Gal Costa partem amanhã para uma temporada europeia. Depois ele vai (sozinho) descansar nos EUA - Foto: M. Pires/Folhapress

Rio (Sucursal) - O cantor e compositor Caetano Veloso comentou ontem recente entrevista do chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), general João Batista Figueiredo, afirmando que vê equilíbrio em sua resposta sobre os intelectuais e na referência a Chico Buarque de Hollanda, mas não concorda de maneira ampla com a opinião do ministro.

“Concordo com o que o general diz, que nós artistas de maneira geral não estamos armados tecnicamente para ter uma discussão politica, mas isto não impede de modo algum que tenhamos uma vida politica e que participemos da vida política”, disse Caetano, que amanhã, juntamente com Gal Costa, embarca para a Europa para realizar uma série de concertos em diversos países.

Entre todas as respostas do general Figueiredo, Caetano Veloso gostou mais da que se refere aos intelectuais, por tratar de coisas que ele, Caetano, está mais familiarizado, “suponho que o próprio general não aceita a idéia de que o Chico Buarque não tenha o direito de se manifestar politicamente”, disse o compositor.

Muito à vontade para comentar qualquer assunto e demonstrando estar bem informado sobre o momento brasileiro, negando assim a imagem de alheamento que lhe imputam, Caetano Veloso no entanto não abre mão da idéia de que a função do artista é produzir arte, independente da situação da sociedade em que vive.

O controvertido cantor, que ao longo dos últimos dez anos teve diversos problemas com as autoridades brasileiras, diz que estes problemas não ocorreram por músicas ou posições: “Na verdade eu tive muitos problemas com nada, pois além de não fazer política meus hábitos estão dentro da lei. Esses problemas vieram pelo fato de eu estar produzindo arte num momento em que a sociedade estava conturbada. Nestes momentos conturbados, o artista é atingido”.



5/4/1978 - Foto: M. Pires/Folhapress


Ele explica porque a função do artista é produzir: “Numa sociedade qualquer, esteja ela carente de transformações ou não, a função do músico é produzir música. Se a sociedade está ou não em mudança é problema geral da sociedade. A situação da sociedade é uma coisa contingente na determinação do artista, o essencial é producir, e a sociedade, em qualquer momento, precisa de música para existir, para viver”.

Caetano confessa que não está com ansiedade de coisas novas na música brasileira, pelo menos no sentido inovador dos anos 60, a época que lembra como de “muito quebra pau”. Na verdade se diz mais conformista, achando que há oportunidade para conquistar coisas e não inoválas.

“Querer inovar as coisas à maneira dos anos 60 é querer tirar leite de pedras, isto sim é redundância pois a criação não é um processo linear, continuo, ela vem de todas as direções.”

Caetano tem ouvido muita música brasileira, principalmente, Jorge Bem e um cantor novato, Cassiano, autor da música “A Lua e eu”. Ele está gravando um novo disco, que será lançado semanas depois de regressar desta turnê com Gal Costa. Entre suas músicas novas uma tem o título de “Terra” e outra foi feita para o filme “A Dama do Lotação”.

Os dois se apresentam em Roma, Paris, Genebra, Zurique, fazem “shows” para a TV francesa e Gal grava um disco na França. Ela está muito tranquila e contente. Apresentará músicas de Caymmi, Tom Jobim e muita dança de candomblé e depois da temporada passará um período de férias na Espanha, Caetano ao contrário, viajará para Nova York, não para trabalhar, mas apenas a fim de “sentir” as coisas que estão acontecendo por lá.











No hay comentarios:

Publicar un comentario