miércoles, 7 de febrero de 2018

2011 - “NINGUÉM DE BOA-FÉ PODE SER CONTRA OS DIREITOS AUTORAIS”



Os bastidores da conversa com Caetano Veloso no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro.

Leia a entrevista “Ninguém de boa-fé pode ser contra os direitos autorais” na edição de Época desta semana

Atrasado
Caetano chega adiantado para a entrevista. Mas seu relógio está uma hora atrasado. Durante esta época do ano (fevereiro) ele costuma estar na Bahia e o relógio marca a hora de lá. “Assim não preciso mudar quando volto.”

Clássico como um índio
É um relógio de modelo clássico, todo em metal prateado, com caixa retangular e muitos tracinhos pretos por onde se vê a hora com dificuldade. “Eu gosto de relógio feito índio gosta”, diz Caetano. “Acho bonito, divertido ter um relógio.”

O Santo Expedito de Gisele Bündchen
Ele também acha bonito usar uma corrente fina e dourada com as imagens de Nossa Senhora das Graças e de Santo Expedito. “Eu nunca tinha ouvido falar no Santo Expedito. Uso porque ganhei de presente. E também porque a Gisele Bündchen usava uma igual.”

Disfarce na foto
Já nos óculos redondos ele não vê graça nenhuma. Diz que são um sinal dos tempos, da velhice. Mesmo assim, reclama quando o fotógrafo de Época pede que ele os tire para a câmera. “Agora eles deram de me pedir isso”

Em cima da hora
Ao se despedir da reportagem, um assessor fica satisfeito por não ter ocorrido nenhum atraso. “Estamos britânicos”, diz ele. Poucas horas depois, Caetano quase perde a hora. Na sala de embarque do aeroporto Santos Dumont, ele se anima: “Pensei que ia perder o avião para São Paulo, mas quando cheguei aqui o vôo estava atrasado.”

“Olha lá, amor, o Caetano está aqui.”

Sentado na primeira fileira da aeronave, ele é um dos primeiros a levantar depois da aterrissagem. Lá atrás, uma senhora – que até então havia passado o vôo todo visivelmente em pânico e agarrada ao marido – sorri. “Olha lá, amor, o Caetano está aqui.”


Foto: Daryan Dornelles


2011
Revista ÉPOCA
Edição nº 667 – 25 de fevereiro de 2011


Caetano Veloso: “Ninguém de boa-fé pode ser contra os direitos autorais”

O autor de “É proibido proibir” assume, pela primeira vez, uma posição conservadora: a defesa da propriedade intelectual

Mariana Shirai


QUEM É
Caetano Emanuel Viana Teles Velloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, em 1942

O QUE FEZ
Um dos mais cultuados compositores brasileiros, liderou a Tropicália, que alinhou o pop internacional à música brasileira e a transformou

O QUE PUBLICOU
Além dos mais de 40 discos, é autor do ensaio Verdade tropical (1997)



Eu vi muitos cabelos brancos na fonte do artista/O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece. É com versos de “Força estranha” que Caetano Veloso encerra seu novo disco, MTV ao vivo – Caetano zii e zie (Universal). A cada refrão da música o cantor baiano de 68 anos omite o trecho “no ar”. Assim era a versão original da canção, composta em 1978 por Caetano. Em seu registro mais popular, ela foi modificada por Roberto Carlos, que introduziu o “no ar” após o verso “por isso essa força estranha” – uma maneira de tirar a carga negativa do trecho sentida por Roberto. Essa pode ser uma questão ultrapassada, mas Caetano não parece disposto a renunciar a seus princípios, mesmo que para isso seja necessário deixar a plateia cantando sozinha o “no ar” no Vivo Rio, onde ocorreu, em outubro de 2010, a gravação do CD.

Um das convicções das quais Caetano não abdica é “organizar o Carnaval”. Leia-se: fazer polêmica. Ele lançou uma há poucas semanas, em sua coluna no jornal O Globo, com a seguinte declaração: “Ninguém toca em nem 1 centavo dos meus direitos autorais”. A tentativa de “puxar a discussão”, como diz, causou surpresa.

Nesta entrevista, ele recua ante a repercussão: diz confessar sua “ignorância no assunto”. O assunto é a preservação da propriedade do autor, defendida pela nova ministra da Cultura, Ana de Hollanda, posição contrária à da gestão anterior, dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira. Pela primeira vez em sua longa carreira, Caetano foi criticado por assumir uma atitude considerada conservadora. Seria a idade?

Caetano recebe a reportagem com o rosto cansado, tosse e andar lento. “Tô velho, tô velho”, diz, com um sorriso melancólico. A frase contrasta com suas roupas modernas: camisa estampada e tênis de skatista. O visual tem a ver com a convivência com os jovens de sua banda, encabeçada pelo guitarrista Pedro Sá, amigo de seu filho, Moreno. Foi com eles que Caetano fez a mais recente transformação em sua carreira, iniciada com o disco Ce, de 2006. Ali, usou rock indie em letras despojadas. Com a mesma banda lançou, em 2009, Zii e zie (Tios e tias, na tradução do italiano), a partir de uma série de shows experimentais e do blog Obra em Progresso. Em Zii e zie, Caetano e sua banda de garotos antenados fazem rock com base no samba, criando o que ele chama de “transamba” e “transrock”. O CD e o DVD que saem agora são os registros da nova sonoridade.

Parte da melancolia de Caetano pode ter um fundo artístico. Embora continue experimentando – com uma coragem incomum entre os artistas de sua geração –, seus novos trabalhos não têm o mesmo impacto que as revoluções que provocou na juventude.

É difícil encontrar quem discorde da influência de Caetano na nova geração musical brasileira. A não ser ele próprio. “Não sou (mentor dos jovens), isso é um erro.” Em breve, Caetano lançará outro DVD, acompanhado da jovem e popular cantora paulistana Maria Gadú, de 24 anos. Mas diz que é ele quem pega carona com Gadú, e não o contrário.

Isso não quer dizer que Caetano tenha largado os velhos companheiros, como sua correligionária tropicalista Gal Costa. Os dois estarão juntos no próximo disco. “Estou compondo todas as canções, que terão uma tônica eletrônica.” Caetano não sabe criar essa tônica no computador, mas diz conhecer quem saiba, como o produtor carioca Kassin. “Quero explorar estruturas que não consigo fazer com a minha voz, mas, com a da Gal, sim”, diz. A voz é uma preocupação atual de Caetano, sobretudo depois de uma gripe contraída em novembro. “Fico achando que minha voz não voltou a ser o que era e talvez nunca volte mais a ser”, diz. “Mas, se não voltar, mesmo assim eu canto.” Ao fim da entrevista, uma equipe de vídeo é chamada para gravar algumas perguntas para o site de ÉPOCA. Diante da câmera, ele passa por uma metamorfose.

Abre aquele sorriso superbacana e relaxa. Com a pose, parece mostrar que, polêmicas à parte, essa “força estranha” não o abandona.

ÉPOCA – Sua banda atual, a Banda Cê, é composta de três músicos jovens. Essa união com artistas mais novos é um modo de rejuvenescer?
Caetano Veloso – É muito bom estar com pessoas jovens. Eu gosto, mas me dou bem também com pessoas da minha idade e com pessoas mais velhas que eu. Esse encontro foi muito natural. Eu conhecia o Pedro Sá (guitarrista) desde menino, ele é amigo de Moreno, meu filho. Ele já tocava comigo em shows e, como conhece muita coisa de música, a gente conversava muito. Nós planejamos fazer uma brincadeira, um disco de rock sem o meu nome, paralelo, escondido. Eu ia cantar de um modo diferente e deformar a minha voz para parecer um disco de um artista desconhecido. Mas depois decidimos fazer um disco meu mesmo. Se eu tivesse levado a cabo essa história de enganar todo mundo, seria um negócio com coisas mais malucas.


Todos nós somos bissexuais. Sexo é a coisa mais importante da vida, é a realidade central


ÉPOCA - Zii e zie é um disco carioca, mas você diz que o título, em italiano, é uma maneira de aproximá-lo de São Paulo. Como assim?
Caetano –
Eu tenho uma ligação muito forte com São Paulo. Moro no Rio de Janeiro, mas não fiz uma escolha muito nítida dentro de mim sobre a cidade. A primeira casa que eu tive na vida foi em São Paulo. Sinto uma saudade danada daquele apartamento lindo no centro e daquele período. O Tropicalismo foi todo feito em São Paulo, a cidade era mais interessante culturalmente que o Rio, com uma sensação cosmopolita. Morei dois anos em São Paulo, até que fui preso e exilado. Quando voltei de Londres fui para a Bahia. Eu queria voltar para São Paulo depois de alguns anos. Eu tinha feito psicanálise em Londres e queria continuar. Procurei analista em São Paulo, mas a Dedé, minha mulher então, achava pesado ir para São Paulo, o Rio ainda tinha praia. Então fomos para o Rio. Gosto de ir sempre que posso a São Paulo, para conversar com umas pessoas, ver umas coisas, sentir a onda. Tem todo um modo de ser de São Paulo que sem ele não dá.




ÉPOCA - Desde então você sempre fez psicanálise?
Caetano – Eu tinha uma atração intelectual com a psicanálise. Mesmo criança, pré-adolescente, eu sonhava com um médico que fosse para conversar. Não sabia que isso já existia. Depois da prisão, no exílio, eu fiquei com uns problemas emocionais esquisitos. Aí fui procurar um psicanalista. Depois fiquei uns dez anos sem fazer, mas há alguns anos voltei.

ÉPOCA - A velhice é um problema?
Caetano – A velhice é um dos problemas, claro. Nunca tive de usar óculos como hoje, eu tinha uma visão excelente. Isso já é uma coisa, e não é pouco. Você fica muito menos resistente, não aguenta correr tanto, fica arfando. Quase que só há desvantagens em envelhecer.

ÉPOCA - Você acha que apoiar e incentivar novos artistas, como fez com Maria Gadú, tem benefícios para sua própria carreira?
Caetano – Maria Gadú não tem nada a me agradecer. Ela já era um fenômeno da geração dela. Na verdade, fui eu quem pegou carona no fenômeno Maria Gadú. Foi muito bom para mim. Ela é uma pessoa agradável, muito musical, boa de trabalhar. E ela conhecia as minhas músicas, sabia as letras de algumas que eu já não lembrava.

ÉPOCA - Como vê a criatividade musical das novas gerações? Acha muito distante em intensidade do que viveu em sua juventude?
Caetano – São Paulo e Rio estão muito animados. O Rio tem muitos grupos que fazem colaborações. A atividade em São Paulo está muito revitalizada. Tem Tiê, Tulipa (Ruiz), Thiago (Pethit), Leo Cavalcanti. É a chegada de uma geração, mas não configura um movimento, com um estilo predominante. Isso tem a ver com o modo como as coisas ficaram, mais diversificadas. Aliás, a Tropicália desejava que acontecesse isso. Ela queria diluir. De fato, cada um de nós, tropicalistas, virou uma figura ao lado das outras no pop brasileiro. Muita gente reclamou disso como se a gente devesse manter uma postura de vanguarda distante ou ser internacional. Eu não dou muita importância a nenhuma dessas duas coisas.

ÉPOCA - E a música da Bahia?
Caetano – Eu participei de um momento em que a vida da Bahia era voltada para a universidade, para a vanguarda. Depois essa energia migrou para as áreas de baixa renda. Então surgiu Ilê Aiê, o Olodum. Os trios elétricos, que já dominavam o Carnaval da cidade, terminaram, através de Moraes Moreira, atraindo os temas e os ritmos dos blocos afro. Isso virou uma onda forte de música com grande potência comercial e alto nível de execução. É a axé-music, algo de grande vitalidade e que eu amo muito. É um orgulho ter Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Luiz Caldas, Chiclete com Banana, um mundo que gera negócio, emprego, dinheiro, sucesso e adestramento de instrumentistas. Ficou tão rico e tão forte que ninguém tem medo de xingar tudo isso como xingavam as multinacionais nos anos 60. E agora tem o neopagode, que é meio parecido com o tecnobrega e o funk carioca em termos de negócio. A indústria está se transformando, por causa desse negócio de internet.

ÉPOCA - E esse negócio de internet? O que faz você fincar o pé na preservação dos direitos autorais?
Caetano –
Acho que não tem ninguém que de boa-fé venha dizer em público que é contra os direitos autorais e sua preservação.

ÉPOCA - Gilberto Gil fez um ministério todo buscando flexibilizar as regras da propriedade intelectual e colocou à disposição de qualquer um todas as suas composições.
Caetano – Acho muito moderno e saudável que o Ministério da Cultura de um país como o Brasil tenha sido pioneiro em acolher esse tema. O problema maior não é tanto de baixar, e sim o upload. Alguém ganha dinheiro com esse negócio. Por que o autor não vai ganhar? Isso tem de ser estudado direito. A internet não é o ar que nós respiramos. É um negócio que começou no Pentágono. Há companhias que têm grande poder e que significam grande dinheiro pela sua atuação na internet. Aos poucos, vamos vendo como os autores vão receber e como vai se legislar diante disso. É um assunto que tem de ser analisado com responsabilidade. Eu, pessoalmente, tenho uma reação instintiva contra o lado muito deslumbrado, a coletivização da criação, a morte do autor. É um democratismo meio suspeito aos meus olhos. Quando entrou a ministra Ana (de Hollanda), os que já se opunham a essa tentativa de flexibilização se animaram a pedir a ela ou a induzi-la a fazer uma defesa dos direitos autorais tais como eles já existem. Então, na minha coluna do jornal O Globo, quis fazer uma mediação para esse diálogo se dar no mais alto nível possível. Mas confesso as minhas ignorâncias.

ÉPOCA - Você acha que há uma onda de conservadorismo no Brasil?
Caetano – Há, sim. Mas me lembro uma vez de dizer, quando não conseguiam juntar nem 250 pessoas para uma parada gay, que eu não dava dez anos para o Brasil ter a maior passeata gay do mundo. E hoje tenho orgulho que a de São Paulo seja a maior.

ÉPOCA - Você é bissexual?
Caetano – Claro, todos somos. Somos sexuais, nem homo, nem hétero, nem bi. Sexo é a coisa mais importante da vida. Mas não quero falar de sexo, não.

ÉPOCA - Parece que você está tremendo...
Caetano – Eu tremo, sempre tremi. Com a idade um pouco mais. E com essa conversa, mais ainda.



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